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Jornalista, por conta de cassação como oficial de Marinha no golpe de 64, sou cria de Vila Isabel, onde vivi até os 23 anos de idade. A vida política partidária começa simultaneamente com a vida jornalística, em 1965. A jornalística, explicitamente. A política, na clandestinidade do PCB. Ex-deputado estadual, me filio ao PT, por onde alcanço mais dois mandatos, já como federal. Com a guinada ideológica imposta ao Partido pelo pragmatismo escolhido como caminho pelo governo Lula, saio e me incorporo aos que fundaram o Partido Socialismo e Liberdade, onde milito atualmente. Três filh@s - Thalia, Tainah e Leonardo - vivo com minha companheira Rosane desde 1988.

segunda-feira, 14 de maio de 2012

O propagado e o verdadeiro, a respeito dos juros

Mais um excelente artigo de Paulo Passarinho, mostrando o farisaísmo oculto nas manobras do governo em sua propalada guerra contra os altos juros bancários. Os juros continuam altos na corrida em torno dos títulos da dívida pública.
Segue a íntegra:


Realidade e Farisaísmo
Paulo Passarinho
A atual e aparente queda de braço entre o governo e os bancos deve ser mais bem entendida, antes de qualquer precipitada conclusão, conforme já alertei em artigo anterior.
O último, ou melhor, penúltimo capítulo dessa história foi a anunciada mudança nas regras de remuneração das cadernetas de poupança. O governo apresentou a iniciativa como uma necessidade para a garantia do processo de continuidade de redução da taxa básica de juros, a taxa Selic.
Com a queda da taxa Selic, os fundos de renda fixa – que são lastreados majoritariamente pelo rendimento dos títulos públicos – tenderiam a perder competitividade em relação à remuneração das cadernetas. Os títulos públicos, dentro desse raciocínio, renderiam menos, por conta da redução da taxa Selic, e, por conseqüência, os fundos passariam a pagar menos aos seus aplicadores. Os aplicadores em fundos pagam, também, taxas de administração aos bancos que os gerenciam (em geral, muito elevadas), além da tributação do imposto de renda, o que acabaria por tornar o rendimento da poupança, isento de imposto de renda, mais atrativo do que dos fundos. A cobrança do imposto de renda em relação aos títulos públicos é isenta apenas aos fundos de investimento estrangeiros, o que já é uma aberração.
A fuga de capitais dos fundos para as cadernetas, por sua vez, não interessa ao governo, pois são através dos fundos que os bancos captam recursos que são aplicados, em sua maior parte, em títulos públicos, fundamentais para a rolagem da dívida pública.
Contudo, o mais curioso é que essa versão da história é apenas uma meia verdade. A Campanha Auditoria Cidadã da Dívida Externa, em seu boletim diário de acompanhamento das notícias veiculadas pela mídia dominante, em sua versão do último dia quatro de maio, nos informa que “no dia 3/5/2012, por exemplo, o governo emitiu R$ 1,5 bilhão em títulos, pagando aos rentistas taxa de 10,7% ao ano, taxa esta que somente cai quando o governo reduz drasticamente o prazo de pagamento de tais títulos, conforme se pode ver na tabela da própria Secretaria do Tesouro Nacional”. O citado boletim lembra, também, que “segundo o último dado da Secretaria do Tesouro Nacional, dos R$ 29 bilhões de títulos da dívida interna emitidos em março pelo Tesouro, apenas R$1,8 bilhão foram indexados à Taxa Selic”. Além disso, “apenas 27,52% do estoque da Dívida Interna sob responsabilidade do Tesouro estavam indexados à Selic, com o custo médio da Dívida Interna sob responsabilidade do Tesouro Nacional sendo de 11,47%, bem mais que a Taxa Selic” (vide www.auditoriacidada.org.br)
Em suma: a vinculação da remuneração dos títulos públicos à taxa Selic é hoje uma realidade para menos de 30% dos títulos emitidos pelo Tesouro, e as taxas que vêm sendo oferecidas aos credores da dívida interna mobiliária, nos chamados títulos pré-fixados, excedem à atual taxa Selic, de 9% ao ano.
Em todo o caso, a mudança decretada para o cálculo dos rendimentos das cadernetas somente será aplicada, caso a taxa Selic chegue a 8,5% ao ano ou menos do que isso, nas novas cadernetas abertas ou para os novos depósitos realizados, a partir do dia quatro de maio. Com a Selic fora dessa faixa ou para as contas de cadernetas já existentes, a remuneração continua a ser de 0,5% ao mês, mais a variação da TR – Taxa de Referência, calculada pelo Banco Central.
Com isso, o governo tenta capitalizar a medida, destacando o “respeito aos contratos” e procurando assegurar que os poupadores da caderneta não sairão perdendo.
E para não esquecer o fio da meada do último capítulo dessa história, os analistas do mercado financeiro já voltam a manifestar preocupações com o ritmo da inflação e os seus riscos à estabilidade econômica. A depender dessa turma, as novas regras de remuneração da poupança não terão oportunidade de ser aplicadas, pois, como sabemos, para ela, somente a elevação da taxa Selic é eficaz para se combater eventuais elevações de preços em uma economia.
Nesse aspecto, o grande problema a ser considerado, levando-se em conta que a maioria da clientela desse tipo de aplicação se constitui de pessoas de menor renda, assalariados ou trabalhadores em condições de fazer alguma poupança, é o modelo de economia – e de país – que continuamos a construir, sob a hegemonia dos bancos e das transnacionais.
Com o crescimento do emprego e da renda dos segmentos mais pobres, observado nos últimos anos, há um enorme espaço de propaganda positiva para esse modelo, iniciado nos anos 1990, mas de aparente sucesso apenas no período a partir de 2003. De lá para cá, as raízes do modelo periférico-liberal se aprofundaram. Avançamos nas aberturas financeira, comercial, produtiva e tecnológica, com acentuada perda de soberania em áreas vitais para o planejamento do nosso futuro. A desnacionalização da economia e o grau de concentração dos negócios são gritantes; a deterioração dos serviços públicos essenciais à população é absurda. Privatizações, fraudulentas e perniciosas ao país, não somente não foram revistas, como continuam a avançar. E a desmoralização e descrença da população com o instrumento da política, como ferramenta para um mundo melhor, é evidente.
Contudo, para muitos vivemos uma espécie de aurora de novos tempos.
A população, bombardeada por meios de comunicação de massa que procuram difundir os supostos acertos da política econômica, parece não perceber que as dificuldades do seu dia-a-dia são crescentes. De alguma forma, o acesso aos crediários com altas taxas de juros e a possibilidade de comprar bens de consumo a prestações criou uma espécie de amortecedor contra as evidentes contradições vividas. Os centros comerciais – os shoppings – e suas instalações parecem substituir escolas de qualidade, centros de saúde adequados, transportes decentes.
As lideranças políticas procuram também estimular a ilusão. Recentemente, em solenidade no Rio de Janeiro, onde Lula foi agraciado com o título de doutor honoris causa, por cinco diferentes universidades públicas do estado, o ex-presidente, ao abordar um dos maiores problemas urbanos que temos vivido – a falência dos transportes públicos e as dificuldades de mobilidade nos grandes centros – afirmou que é o sonho de todo trabalhador ter o seu carro próprio, poder passear com sua família e se divertir. Disso ninguém pode discordar. Outra coisa é admitir como plausível, ou inevitável, um modelo de cidade onde o trabalhador gaste quatro, cinco ou seis horas do dia, para o seu deslocamento de casa para o trabalho e do trabalho para a casa.
Ou seja: uma liderança como Lula, político projetado pela esquerda e com origem popular, contundente crítico do modelo dos bancos até a sua chegada à presidência da República, não se constrange em jogar para a platéia e apostar em um nível atrasado de consciência, para poder se manter em evidência.
Nesta mesma solenidade, contudo, as fraturas do falso modelo exitoso de governo, inaugurado a partir de 2003, se mostraram em diversos momentos. Logo no seu início, com a atriz Camila Pitanga cobrando da presidente Dilma o veto ao Código Florestal, recém aprovado pelo Congresso, pela própria base governista. Ou na fala do reitor da UFF, ao reivindicar reajustes salariais para os professores universitários e, também, a destinação de verbas equivalentes a 10% do PIB para o Plano Nacional de Educação. Ou mesmo no patético esforço de Lula para defender e elogiar Sergio Cabral Filho, o corrupto e desmoralizado governador do Rio, além de seu aliado.
A realidade, portanto, teima em se mostrar, mesmo em ocasiões onde o farisaísmo se manifesta e o baixo nível de consciência e responsabilidade com o nosso futuro se mostram sem pudores.
10/05/2012     

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